Ditadores e torturadores não podem ser nomes de ruas
CLASSIFICADO
EM BRASIL - DITADURA
Carta
Maior - 12/03/2012 - www.pcb.org.br
DEBATE ABERTO
Rodovia Castello Branco, elevado Costa e Silva, rua Dr. Sergio
Fleury, avenida Presidente Médici e por aí vai. O Brasil é uma das poucas
democracias do mundo que não só deixa tiranos impunes, como os homenageia em
praça pública. Boa iniciativa para a Comissão da Verdade seria propor a mudança
imediata de tais nomes.
Gilberto Maringoni*
Uma Comissão da Verdade de verdade poderia começar seus
trabalhos propondo ao Congresso Nacional uma lei simples: proibir em todo o
território nacional que logradouros públicos sejam batizados com nomes de
pessoas que enxovalharam a democracia e os bons costumes. E alterar as
denominações existentes.
Em São Paulo, a situação é vergonhosa. A principal rodovia do
estado chama-se Castello Branco. De tão naturalizada está a questão, que poucos
param para pensar no seguinte: aquele foi o chefe da conspiração que acabou com
a democracia no Brasil, em 1964. A homenagem foi feita por Roberto de Abreu
Sodré, governador biônico, que inaugurou a via em 1967. Estávamos em plena
ditadura e seria natural que um serviçal do regime quisesse adular seus
superiores.
A via não representa uma exceção. A cidade comporta ainda o
elevado (?) Costa e Silva, em homenagem ao segundo governante da ditadura. O
idealizador foi outro funcionário do regime, Paulo Salim Maluf, nos idos de
1969. O mesmo Maluf mimoseou, em 1982, quando governador, o famigerado
Caveirinha, alcunha que imortalizou o general Milton Tavares de Souza, falecido
no ano anterior. Caveirinha foi chefe do Centro de Informação do Exército (CIE)
e suas grandes obras foram a implantação dos DOI-CODI e da Operação
Bandeirantes (Oban), órgãos responsáveis pelo assassinato de inúmeros oponentes
do regime. Foi também um dos planejadores da repressão à guerrilha do Araguaia
(1972-76).
Ernesto Geisel, ditador entre 1974 e 1979, é o nome de um
conjunto habitacional em Bauru. Emilio Garrastazu Médici, o comandante da fase
mais repressiva da ditadura, nomeia dezenas de ruas, escolas e praças pelo
Brasil. Presidente Figueiredo é uma cidade no Amazonas. Diadema abriga uma
Escola Estadual Filinto Muller, temido chefe da Polícia Política do Rio de Janeiro
entre 1933 e 1942. Imortalizou-se por ter comandado a operação que resultou na
deportação de Olga Benario à Alemanha, em 1936.
Mas nada supera a inacreditável rua Dr. Sergio Fleury, na Vila
Leopoldina, na capital.
Os nomes dos funcionários mais ou menos graduados da ditadura
podem ser localizados com uma rápida olhada no Google. Castello, Costa e Silva,
Médici e Figueiredo emprestam seus nomes a centenas de ruas, avenidas,
estradas, escolas e edifícios públicos espalhados pelo Brasil.
Propostas de mudança
Em 2006, o então prefeito de São Paulo, José Serra (PSDB) enviou
mensagem à Câmara dos Vereadores de São Paulo, propondo alteração do nome do
viaduto que enaltece Caveirinha. Aprovado em primeira instância, o projeto
aguarda até hoje sanção de Gilberto Kassab.
O vereador Pedro Ruas e a vereadora Fernanda Melchiona, do PSOL
de Porto Alegre, apresentaram em dezembro último um projeto de lei visando
mudar o nome da Avenida Presidente Castello Branco para Avenida da Legalidade.
A intenção é não apenas banir a memória do líder golpista, mas homenagear o
movimento liderado por Leonel Brizola, em 1961, que deteve as articulações
visando impedir a posse do presidente João Goulart, após a renúncia de Janio
Quadros.
Manter tais denominações significa conservar viva a memória de
gente que deve ser colocada em seu justo lugar na História: o daqueles que
perpetraram crimes contra a democracia e a cidadania, prejudicaram o país e
contribuíram para o atraso em vários campos de atividade.
Na Itália não existe rua, monumento ou edifício público com o
nome de Benito Mussolini ou de outro funcionário graduado do regime fascista. A
decisão faz parte de uma luta ideológica que visa extirpar as marcas da
intolerância, da brutalidade e da xenofobia que marcaram a vida do país entre
1924 e 1944.
Tampouco há na Alemanha uma avenida Adolf Hitler, um aeroporto
Herman Göering (que foi ás da aviação na I Guerra Mundial), um viaduto Joseph
Goebbels ou coisas que o valham. Aliás, evitou-se durante décadas batizar
crianças com o nome Adolf, por motivos mais ou menos óbvios.
Argentina, Chile e Uruguai também não fazem rapapés à memória de
responsáveis pelos anos de terror institucionalizado. A cidade de Puerto
Stroessner, no Paraguai, teve seu nome mudado para Ciudad Del Este, assim que o
ditador foi deposto, em 1989.
No Brasil, como os zumbis da ditadura não apenas assombram, mas
aparentemente intimidam o poder democrático, as mudanças não acontecem. Estão
aí, fagueiros e lampeiros na vida nacional, figuras como José Sarney, Marco
Maciel, Paulo Maluf e outras, crias da ditadura e cheios de autoridade na vida
pública. E os pijamas do Clube Militar volta e meia fazem ordem unida para
enaltecer os anos de chumbo.
Banir os nomes de gente dessa laia dos logradouros públicos é um
bom passo para se consolidar a democracia.
*Gilberto Maringoni,
jornalista e cartunista, é doutor em História pela Universidade de São Paulo
(USP) e autor de “A Venezuela que se inventa – poder, petróleo e intriga nos
tempos de Chávez” (Editora Fundação Perseu Abramo).
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