A JORNADA DE TRABALHO - KARL MARX
Texto
retirado do capítulo 8 do livro O Capital de Karl Marx
O
capitalista compra a força de trabalho pelo valor diário. Seu valor de uso lhe
pertence durante a jornada de trabalho. Obtém, portanto, o direito de fazer o trabalhador
trabalhar para ele durante um dia de trabalho.
Mas o que é um dia de trabalho?
Será
menor que um dia natural da vida. Menor quanto?
O
capitalista tem seu próprio ponto de vista sobre essa extrema, a fronteira
necessária da jornada de trabalho. Como capitalista apenas personifica o
capital. Sua alma é a alma do capital. Mas o capital tem seu próprio impulso
vital, o impulso de valorizar-se, de criar mais valia, de absorver com sua
parte constante, com os meios de produção, a maior quantidade possível de
trabalho excedente.
O
capital é trabalho morto que como um vampiro se reanima sugando o trabalho vivo
e quanto mais o suga mais forte se torna. O tempo em que o trabalhador trabalha
é o tempo durante o qual o capitalista consome a força de trabalho que comprou.
Se o trabalhador consome em seu proveito o tempo que tem disponível, furta o
capitalista. O capitalista apóia-se na lei de troca de mercadorias. Como
qualquer outro comprador procura extrair o maior proveito possível do valor de
uso de sua mercadoria.
Mas,
subitamente levanta-se a voz do trabalhador que estava emudecida no turbilhão
do processo produtivo:
A
mercadoria que te vendo se distingue da multidão das outras porque seu consumo
cria valor e valor maior que seu custo. Este foi o motivo por que a compraste.
O que de teu lado aparece como aumento de valor do capital, é do meu lado
dispêndio excedente de força de trabalho. Tu e eu só conhecemos, no mercado,
uma lei, a da troca de mercadorias. E o consumo da mercadoria não pertence ao
vendedor que a aliena, mas ao comprador que a adquire. Pertence-te assim a
utilização de minha força diária de trabalho. Mas, por meio de seu preço diário
de venda, tenho de reproduzi-la diariamente para poder vendê-la de novo. Pondo
de lado o desgaste natural da idade etc., preciso ter amanhã, para trabalhar, a
força, saúde e disposição normais que possuo hoje. Estais continuamente a
pregar-me o evangelho da parcimônia e da abstinência.
Muito
bem. Quero gerir meu único patrimônio, a força de trabalho, como um administrador
racional, parcimonioso, abstendo-me de qualquer dispêndio desarrazoado. Só
quero gastar diariamente, converter em movimento, em trabalho, a quantidade
dessa força que se ajuste com sua duração normal e seu desenvolvimento sadio.
Quando prolongas desmesuradamente o dia de trabalho, podes num dia gastar, de
minha força de trabalho, uma quantidade maior do que a que posso recuperar em
três dias.
O que
ganhas em trabalho, perco em substância. A utilização de minha força de
trabalho e sua espoliação são coisas inteiramente diversas.
Se um
trabalhador, executando uma quantidade razoável de trabalho, dura em média 30
anos, o valor da força de trabalho que me pagas por dia é de 1 / 365 x 30 ou
1/10.950 de seu valor global. Se a consomes em 10 anos, pagas-me diariamente
1/10.950 e não 1/3.650 de seu valor global, portanto, apenas 1/3 de seu valor
diário, e furtas-me assim diariamente 2/3 do valor da minha mercadoria.
Pagas-me
a força de trabalho de um dia, quando empregas a de três dias. Isto fere nosso
contrato e a lei de troca de mercadorias. Exijo, por isso, uma jornada de
trabalho de duração normal, e sem fazer apelo a teu coração, pois quando se
trata de dinheiro não há lugar para bondade. Podes ser um cidadão exemplar,
talvez membro da sociedade protetora dos animais, podes estar em odor de
santidade, mas o que representas diante de mim é algo que não possui entranhas.
O que parece pulsar aí é o meu próprio coração batendo.
Exijo a
jornada normal, pois exijo o valor de minha mercadoria como qualquer outro
vendedor.
Vemos
que, abstraindo de limites extremamente elásticos, não resulta da natureza da
troca de mercadorias nenhum limite à jornada de trabalho ou ao trabalho
excedente. O capitalista afirma seu direito, como comprador, quando procura
prolongar o mais possível a jornada de trabalho e transformar, sempre que
possível, um dia de trabalho em dois. Por outro lado, a natureza específica da
mercadoria vendida impõe um limite ao consumo pelo comprador, e o trabalhador
afirma seu direito, como vendedor, quando quer limitar a jornada de trabalho a
determinada magnitude normal.