Greve incomoda?
29/09/2011 Meirivone Ferreira de Aragão
A greve incomoda. E é esse o seu objetivo. Toda relação se
constrói e sobrevive na base do respeito mútuo e do diálogo. Mas quando uma das
partes se recusa a conversar e quer apenas impor o seu injusto ponto de vista,
aproveitando-se das fraquezas da outra, torna-se necessária alguma ação para
conduzir as coisas ao seu devido prumo.
No amor, são inúmeras as possibilidades. Na relação de
trabalho também, mas este é um terreno onde existe lei regulando os
procedimentos e apontando como justo, legal e constitucional a paralisação das
atividades pelos trabalhadores como forma de forçar o patrão a retomar o
diálogo. Antes dessa conquista se elevar à categoria de direito fundamental,
assim assegurado na Constituição Federal de 1988, houve lutas sangrentas com perdas
para toda a sociedade. Optou-se pela greve por ser um meio pacífico por
excelência, livre exercício do direito de resistência sem armas, convencendo o
capital que sem a força produtiva dos trabalhadores ele não sobrevive e, como o
sistema teme a morte mais que os humanos, precisa sentar, negociar e ceder. Mas
o sistema é ingrato e não se conforma em depender de quem não sabe a diferença
de um vinho envelhecido em barris nobres europeus que rega as suas orgias, para
o de garrafão que os trabalhadores tomam nas festas familiares, comemorando o
nascimento de um filho, um casamento... os valores realmente são diferentes e
não ‘valem’ hoje na balança de quem há muito pouco tempo sequer sabia localizar
a Europa no mapa... talvez ainda não saiba... talvez o conhecimento do vinho
seja adquirido em manuais... o que importa é ter o poder. E não é da natureza
do poder ceder, respeitar, valorizar, ouvir, dialogar.
A greve foi feita e cantada por muitos dos atuais
negociadores dos bancos públicos, quando tomavam vinho de garrafão em
comemorações de valores familiares, quando sabiam o que é sair de casa para
cumprir jornada de trabalho sem hora para terminar e sem o pagamento da jornada
extraordinária, quando eram vítimas de assédio moral, quando deviam cumprir
metas para receber o salário... no sertão nordestino tem um ditado que diz:
‘Quem era Naninha, nem cabelo tinha...’ E haja esquecimento!
Por isso o legislador constitucional previu a greve, para
incomodar o poder, para incomodar o cidadão que deve se indignar, sim, mas para
se juntar ao coro dos que não são ouvidos. O poder, o patrão, já tem a mídia e,
por vezes, outros muitos setores a seu favor, não precisa da voz do povo.
Muito sabiamente os bancos procuram a Justiça e buscam os
interditos para sufocar essa voz. E muito estupidamente, por vezes, a Justiça
se volta contra os trabalhadores e rasga a Constituição. Por outro lado, chega
a ser emocionante ler uma decisão que nega uma liminar e reconhece o óbvio, o
justo e o bom: o direito de greve deve ser exercido pelos trabalhadores, sem
mordaças, sem polícia, como assegurou a Constituição. Aliás, polícia é para
quem precisa, já dizia a canção... e os trabalhadores que lutam por condições
dignas não são bandidos. Parabéns aos magistrados que decidem com alma e conhecimento
jurídico não superficial.
Que em mais um ano de luta, a greve incomode a quem precisa,
faça valer a força e a voz dos trabalhadores bancários no país, reabrindo as
negociações em bases dignas. Que os Poderes respeitem esse maravilhoso
instrumento social acolhido no mundo jurídico, mas muito mais que os bancários
entendam que interdito pode abrir porta de agência, mas não obriga a
consciência e nem impede a paralisação. Portanto, percam o medo dos interditos,
desliguem os celulares e mostrem quem sustenta de verdade o sistema financeiro
do país. Boa sorte!
Meirivone Ferreira de Aragão é advogada e assessora jurídica
do Sindicato dos Bancários de Sergipe.
Fonte:http://www.ctb.org.br/site/opiniao
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