quarta-feira, 17 de novembro de 2010

Sociedade Recreativa Luiz Gama e eu

Corria o ano de mil novecentos e sessenta e oito e minha família resolveu mudar-se para Botucatu. Fomos morar na Vila São Luiz e tudo para mim era coisa nova, dos vizinhos até a ferrovia passando ao lado de casa.
Foi neste período que ouvi falar na Sociedade Recreativa Luiz Gama, ou o “Gama” simplesmente, via a agitação da vizinhança confeccionando roupas novas, adquirindo calçados para os bailes da agremiação, e nos dias de baile parecia uma grande festa.
Isso despertou em mim grande curiosidade, mistério que só foi desvendado no carnaval do ano seguinte, quando fui levado por minhas irmãs mais velhas a um “matinê carnavalesco”, entrei no clube e me encantei com o colorido dos confetes e aquele emaranhado de serpentina pelo salão. O “Gama” ficava na Avenida Santana, na penúltima quadra de quem desce a citada via em seu lado direito, e também havia entrada ou saída, como preferir pela Rua General Telles. Foi uma tarde inesquecível, torci desesperadamente para chegar a teça feira, para retornar aquele ambiente, a terça feira de carnaval veio e se foi e quarta feira de cinzas era só tristeza, teríamos um ano pela frente até o próximo carnaval.
O tempo se arrastou, mas finalmente chegou o grande dia, domingo de carnaval, o garoto trajado de tênis, bermuda e camiseta começou a pular pelo salão, mas as coisas foram se apagando eu só ouvia o som da banda entoando as velhas e boas marchinhas. Galguei então uma escada e estava lá sobre um mezanino de onde trombones, trompetes e a percussão faziam o som que animava a garotada – o palco, vi um surdo dando mole e comecei a fazer a marcação, foi um momento mágico que só sentirá quando despertei e encontrei ao lado de minha cama uma bola de futebol “Roberto Rivelino”, o craque corintiano daquele período. Os músicos não me pediram para deixar o local, muito pelo contrario incentivá-lo a ficar tinha jeito pra coisa.
Neste dia apareceu meu grande sonho, desfilar no “cordão”, como era denominado o desfile das escolas de samba, desfilar na bateria do Luiz Gama. Nesta época os clubes tradicionais da cidade como a Associação Atlética Botucatuense e Botucatu Tênis Clube participavam com suas escolas de samba do carnaval da cidade.
O desfile da Sociedade Recreativa Luiz Gama, tinha inicio em sua sede social na Avenida Santana, desfilavam por esta e parte da Avenida Dom Lucio, quando então adentravam em uma de suas travessas e chegavam até a Rua Amando de Barros, o ponto alto do desfile. O que me deixava bolado nesta época era um folião que todos os anos se fantasiava de índio, saia com a escola quando esta deixava a sede, mas nunca chegava desfilar pela Rua Amando, era uma figura conhecida na cidade e segundo os mais velhos este fora jogador de futebol, goleiro dos bons, que infelizmente acabou como andarilho em nossas ruas – Sombra, este era o cara.
Em mil novecentos e setenta e um, um dos últimos carnavais da entidade a bateria desfilou de fraque e cartola nas cores verde e amarelo homenagem a seleção brasileira campeã mundial de futebol no ano anterior. Participar do carnaval de rua de Botucatu defendendo as cores do “Luiz Gama” foi mais uma vontade se perdeu no tempo.
Hoje depois de muitos carnavais e tantas batalhas em defesa de nossos valores culturais, acredito que aquele clima da Sociedade Recreativa Luiz Gama, ajudou a forjar não somente o percussionista, mas principalmente o militante negro.

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