STF julga a regularização de
quilombos nesta quarta 18
Por César Augusto Baldi*
Nesta quarta-feira 18,
véspera do Dia do Índio, o ministro Cezar Peluso, do Supremo Tribunal Federal,
deve levar a julgamento uma ação direta de inconstitucionalidade (ADI 3239)
contra o decreto (nº 4.887/2003) que regulariza a demarcação e titulação das terras
quilombolas.
Diversas questões estão
envolvidas neste julgamento. [1]
Primeiro, a efetividade de um
dispositivo que seria o primeiro passo para exercer o direito de comunidades
que esperaram mais de quinze anos para serem regularizadas por orgãos governamentais.
Segundo, o reconhecimento de
direitos sociais e coletivos de comunidades negras, não somente por sua
contribuição ao patrimônio histórico e social, mas também pela dificuldade que
os juristas têm de tratar dos mal denominados "direitos de segunda
dimensão" (ou geração).
Terceiro, a proteção de uma
dimensão cultural de territorialidade como espaço de reprodução social e
simbólica. Na Constituição Federal se inclui, para além de documentos e
criações científicas, "formas de expressão, modos de criar, fazer e
viver" dos "diferentes grupos formadores da sociedade
brasileira". Trata-se de "justiça cognitiva", uma vez que tais
comunidades são portadoras de saberes e memória social.
Quarto, a noção de
"quilombo", hoje fonte de reconhecimento de direitos, foi criada,
originalmente, para fins de criminalização e estigmatização, sendo necessária,
portanto, a reparação do fato.
Quinto, a constatação de
processos legais de discriminação direta e indireta, ou seja, de disposições
que, aparentemente neutras, tais como a Lei de Terras de 1850, a pretexto de
regularem situações jurídicas, eram fonte de negação de direitos de indígenas e
negros. Foi um processo em que a imensa concentração de terras, um processo em
que expropriação, racismo e colonialismo andaram juntos.
Sexto, a consolidação de
processos de monitoramento e de defesa de direitos humanos no sistema
internacional de proteção tem providenciado em relação ao reconhecimento do
direito de propriedade de comunidades negras em todo o continente americano.
Sétimo, a sinalização, às
vésperas da Rio+20, de que a preservação de tais comunidades tem garantido
também a manutenção da diversidade ecológica da região. Biodiversidade e
sociodiversidade, neste caso, são duas faces do mesmo processo.
Por fim, a necessidade de
definição, por parte do STF, de critérios mais objetivos para a realização de
audiências públicas e para inclusão em pauta (ou mesmo de ordem de preferência)
para julgamento de processos. Recentemente, o Ministro Marco Aurelio salientou
a demora para a apreciação de questões envolvendo o aborto de anencéfalos (as
audiências públicas ocorreram em 2008) e os procedimentos administrativos
relativos a magistrados (constantes da Resolução 135 do CNJ). A ADI 3239, ora
pautada, teve seu relatório disponibilizado em 23 de abril de 2010, ou seja, há
quase dois anos.
Em mais um julgamento
histórico, o STF pode ajudar – ou não – a se avançar na consolidação dos
direitos fundamentais de uma parcela da população que tem sido negligenciada,
invisibilizada, discriminada e afastada do exercício de seus direitos. A
prevalência dos direitos humanos e o repúdio ao racismo são princípios que
regem o Brasil nas relações internacionais; a dignidade da pessoa humana, o
pluralismo e a cidadania são fundamentos do Estado Democrático de Direito. Da
mais alta Corte do país espera-se que tais compromissos sejam endossados e
reforçados, em mais um passo para a efetivação de nossa Constituição.
*César Augusto Baldi, mestre
em Direito (ULBRA/RS), doutorando Universidad Pablo Olavide (Espanha), servidor
do TRF-4ª Região desde 1989,é organizador do livro "Direitos humanos na
sociedade cosmopolita" (Ed. Renovar, 2004).
[1] Em outras ocasiões, já houve detalhamento
de várias questões constitucionais atinentes:http://www.conjur.com.br/2010-mai-21/invalidar-decreto-quilombos-implica-retrocesso-constitucional;
http://www.conjur.com.br/2008-jul-30/reconhecimento_juridico_comunidades_quilombolas.
fonte:http://www.geledes.org.br/areas-de-atuacao/questao-racial/quilombos-e-quilombolas/13824-stf-julga-a-regularizacao-de-quilombos-nesta-quarta-18
fonte:http://www.geledes.org.br/areas-de-atuacao/questao-racial/quilombos-e-quilombolas/13824-stf-julga-a-regularizacao-de-quilombos-nesta-quarta-18
Nenhum comentário:
Postar um comentário